Tuesday, June 22, 2004

Terraço invejável (1)

Há dias em que viver na cidade é um verdadeiro inferno.
Pode-se acordar ao som de umas quantas marteladas devido a um simples capricho da nossa vizinha em instalar o último modelo italiano de cozinha propagandeado por uma qualquer revista de decoração.
Este pesadelo sonoro aos dias de descanso já não é permitido por lei, mas ainda há por aí muitos vizinhos que preferem pagar mais barato ao empreiteiro de "biscate", esquecendo o seu dever de resguardar a qualidade de vida na cidade.
Quando convivemos horas a fio com tais batuques, na forte esperança da parede alvejada não ser aquela que tão familiarmente se designa por “mestra”, começamos a sentir uma enorme vontade em libertar-nos das nossas “quatro paredes”. Nestas alturas, o melhor mesmo é “bater com a porta” e sair...
Recomendo o nº7 da Rua Costa do Castelo. É vulgarmente conhecido por “Chapitô” entre os seus frequentadores.
Esclarecendo, desde já, que não tenho qualquer comissão por cada ida ao local, fica uma certeza: É um terraço invejável sobre a nossa Lisboa! E sedutor como aquele, não haverá mais...
Em abono da verdade, nunca se sabe, tal como com os homens...

“Grande filme”!

Hoje em dia há imensas conjecturas sobre homens e mulheres. Uns defendem que as mulheres precisam de viver apaixonadas enquanto os homens nem tanto. Outros defendem a tese que os homens apaixonam-se muitas mais vezes do que as mulheres, por oposição àqueles que sustentam ser a paixão um sentimento da essência feminina. Enfim, há muitas teorias...
E não me parece provável chegarmos a uma única conclusão!
Mas haverá, isso sim, outras “objectivas” capazes de focar a singeleza das emoções.
Quando um singular realizador (Michel Gondry) se funde com um argumentista genial(Charlie Kaufman), a originalidade do filme está garantida. A película “O despertar da mente” é muito mais do que um bom filme, pois imprime uma fotografia real das nossas memórias, dos nossos pensamentos e do amor. Tudo isto se proclama diante nós a uma velocidade acelerada em diversos momentos, aliás muito peculiar do registo humano. Por isso pode ser apelidado daquilo, a que um destes dias alguém me confidenciava a propósito de cinema, um grande filme!
Fica o alerta aos devotos do género “pinga amor”: Este filme embora seja sobre amor não é definitivamente a mesma coisa! Depois não digam que não avisei...

Tuesday, June 15, 2004

" Cromo" (1)

Na comunicação social, surgiu recentemente uma acesa polémica decorrente de algumas posições tomadas publicamente por responsáveis na área da saúde em relação à crescente representatividade das mulheres nos cursos de medicina.
Demorei algum tempo a reproduzir por escrito a minha opinião, pois não queria, desde logo, que pairasse algum sentimento de aversão ou desrespeito pelos adversários nesta contenda. Tentei libertar-me de impulsos que pudessem atravancar o discernimento inevitável a uma discussão aberta e construtiva, porque os factos reclamam uma séria avaliação quer por homens quer por mulheres.
Neste painel de confronto, é crucial atender às afirmações do senhor ministro da Saúde: 'Por vezes levanta-se a questão de a participação feminina poder estar de alguma maneira condicionada pelas suas responsabilidades em termos domésticos, em termos de vida familiar, porque tornaria essas mulheres menos disponíveis para uma profissão que requer 24 sobre 24 horas, no que diz respeito a cuidados que são inadiáveis'.
Senhor ministro, só posso dizer-lhe que este modo de ver a participação das mulheres e homens nos seus papéis sociais está completamente ultrapassado, diga-se, mesmo, que a única forma amistosa de adjectiva-lo é: O senhor é um verdadeiro cromo!
Hoje a família responsável e consciente dos seus compromissos divide tarefas entre parceiros, partilha responsabilidades, doseando-as numa plataforma de entendimento conquistada com cumplicidade, e se assim não for, será porque outros factores de desequilíbrio social impedem ainda de o ser. Por isso mesmo, caberá em primazia aos organismos do Estado a criação de mecanismos necessários à promoção de uma organização social equilibrada, onde a vida familiar possa desenvolver-se em condições de paridade entre sexos e a realização profissional de cada um dos seus elementos possa ser uma opção livre tomada no seio da família.
A colecção de “Cromos” ainda não está completa mas deixemos na “carteira” o próximo cromo. Lembremo-nos daquela época da nossa infância em que a incógnita do conteúdo da embalagem alimentava a esperança de conseguir um cromo dos “difíceis” para completar a colecção!
Assim o espero...

Tuesday, June 08, 2004

Abençoados jacarandás

Primeiro domingo do mês de Junho. A cidade é absolvida das “horas de ponta” e engalanada de sol. A temperatura amena reivindica um passeio a pé, os oposicionistas podem sempre optar pelo trajecto a “quatro ou duas rodas”.
Volto a iniciar o meu giro por Lisboa. O ponto de partida é o Largo do Rato. Entro na Rua Alexandre Herculano no sentido da Avenida da Liberdade até encontrar, ao lado direito, a Rua Rodrigo da Fonseca. O desvio é prenunciado pela placa toponímica. Nesse troço de rua viro e posiciono-me de frente. Fico quieta. Há jacarandás de ambos os lados debruçados majestosamente sobre o enfiamento da rua. Contemplo a floração imaculada daquelas árvores. Tanta beleza embriaga-me. Imagino uma pintura bucólica mas é tão só uma parte viva desta cidade. Fecho os olhos e volto a abri-los. Abençoados jacarandás que nos fazem sonhar nesta época do ano em Lisboa.
A esta nova “receita” pode juntar-se q.b. de muita coisa...
Fica um sabor :

AS ESTAÇÕES

PRIMAVERA


Vai Clóris pelo prado às flores inata,
Branca na brisa, veemente nas verduras,
Mostrando as cores que, no ovo de prata,
Da primeira manhã se uniram puras.

A luz a leva. De Abril festas flamíneas
Espalha seu curso de floridas pernas;
De andorinhas, cerejas e glicínias
Vai remoçando satisfações eternas.

Tempo de amor que ao chão arranca a rosa
E aves nos ramos musical desperta,
Ovário onde a semente jubilosa
Do incorruptível infunde a Primavera.


(Natália Correia)








Thursday, June 03, 2004

Um refúgio mágico

Ao meu avô G

Sou “alfacinha de gema”. Diga-se, em abono da verdade, não ser fácil explicar o sentido literal deste termo, mas isso deixo ao cuidado dos mais curiosos.
Pode ser ainda mais complicado, quando se nasce na Mouraria. De facto, ser uma “moura alfacinha de gema”, confesso, é místico!
Talvez por isso, hoje inicio um giro por diversos pontos da minha Lisboa.
Caminho até ao Teatro Taborda situado na Rua Costa do Castelo. Decido entrar. Lá dentro, desço as escadas até ao piso com ligação ao terraço. O sol convida-me a ir até lá fora. Há muitas cadeiras e pouca gente. Fico sentada. Respiro fundo. Ali está: Lisboa, vestida de cor e de feitiço. Reencontro, mais uma vez, um dos meus refúgios mágicos.
A esta “receita” pode juntar-se q.b. de muita coisa...
O meu ingrediente não é picante, somente uma pitada dos “Sonetos de Luís de Camões”, escolhidos por Eugénio de Andrade. Fica um “cheirinho”:


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E, em mim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.




À hora certa!

Tomem nota! Está em exibição o novo filme de Pedro Almodóvar: “Má Educação”.
Quando decidi ir ver o filme escolhi comprar bilhetes para a ‘matinée’. Pode parecer estranho preferir a hora em função de cada realizador, mas foi exactamente aquilo que aconteceu. Já agora um conselho aos papás, esta é uma hora “decente”, por isso podem aproveitar e deixar os filhotes nas casas das avós, das tias (genuínas) ou dos amigos. É sempre uma parte do dia convidativa à solidariedade!
Certo é que submergir nesta película de Almodóvar ao ritmo das suas cores, ao sabor dos seus ‘décors’, com a intensidade dos seus personagens, corta-nos a respiração. São necessárias algumas horas para “descompressão do mergulho”. Toda a atmosfera é esgalhada entre uma infância amarga e uma vida adulta alucinada. Não é autobiográfico. Almodóvar já o esclareceu!
Só mais uma referência: Gael García Bernal.
Estejam atentos! Temos actor (abençoado 1,70m de altura...) que promete!
É só esperar pela estreia de "Motorcycle Diaries"! Espero bem não me enganar...