Monday, June 09, 2008

Gostei desta crónica!

« Um pouco mais de Mourinho

Inês Pedrosa in Expresso [Link]

ÀS 10h20 da manhã do passado dia 3, Aldina Duarte analisava os jornais, na habitual revista de imprensa da SIC Notícias. Procurava Aldina destacar sobretudo as notícias de cultura e lamentava que a bebedeira de uma cantora (Amy Winehouse) fosse tema de capa, ao contrário dos bons concertos, por exemplo, do Rock in Rio. Explicava denodadamente que, com outra atenção a outras coisas, o mundo seria diferente.
Nisto, a jornalista interrompe-a, dizendo que tinham José Mourinho em directo e que já voltariam à revista de imprensa. Não voltaram: nem Aldina, nem Teresa Dimas, a jornalista - porque o directo da conferência de imprensa de Mourinho, assinalando a entrada do treinador num clube de futebol italiano, se prolongou até ao fim daquela hora de emissão. E que disse Mourinho? Antes de mais explicou, em italiano, aos jornalistas portugueses que não falaria em português para não "se distrair" do italiano, língua a que, segundo informou, se andava a dedicar desde há um mês e meio. Perante o deslumbramento da imprensa italiana face à fluência milanesa de Mourinho, o treinador acrescentou, sorrindo (em italiano, claro): "É que eu sou muito inteligente." Tão inteligente que conseguiu responder em inglês aos jornalistas ingleses - só o português, pelos vistos, o atrapalha. Dignar-se-ia brindar a imprensa lusa com umas banalidades futebolísticas na língua de Luís Figo e Eusébio, mais tarde, num cantinho, à saída da nobre conferência.
Portugal devia chamar-se Mourinhal. Ou Mourinhall, para ser mais cosmopolita. O homem sai do aeroporto e entra num automóvel, e as televisões esquecem o mundo. Santana Lopes - lembram-se? - fez uma birra na SIC Notícias porque entendeu, provincianamente, que se uma pessoa sai de casa e perde tempo a ir a um estúdio de televisão onde a convidam a falar deve ser ouvida. Eu, que muitas vezes tenho tido dificuldade em entender as atitudes de Santana, dessa vez entendi-o muito bem. Ainda sou do tempo em que era má-educação deixar as pessoas à espera para atender outras pessoas ao telefone, por exemplo.
Um tempo em que a vida real tinha mais importância do que a vida virtual e em que aqueles que se incomodavam por nossa causa nos mereciam uma particular atenção e uma palavra de agradecimento. Na minha ideia, os famosos "valores" nasciam destas atenções imprescindíveis, quotidianas, minuciosas. Provavelmente, estaria equivocada, porque tenho verificado que aqueles que mais atropelam estas velhas normas de convivência - os políticos profissionais, que não conhecem a palavra "obrigado", ou os reis da televisão, que só conhecem um Deus das Audiências, criado à sua imagem, analfabeto e feroz - são os que mais invocam "a queda dos valores".
Para quê, pois, preencher as emissões televisivas com gente que canta ou escreve ou realiza ou pinta ou esculpe ou pensa, se temos esse "special one" poliglota e internacional chamado José Mourinho? Para quê falar de outra coisa além de futebol? Sucesso escolar? Substituam-se as jovens e exploradas professoras do socrático "inglês para todos" das escolas básicas pela telescola Mourinho - a inteligência das línguas. Claro que um só minuto das mourinhais lições custará mais do que um ano inteiro de salário das actuais mestras: o "mister" ganha 9 milhões de euros por ano, e trabalhar por amor é devaneio de pobre, não coisa de profissional. Mas Portugal sempre demonstrou que, para o essencial, o dinheiro nunca falta: somos um país de múltiplos e grandiosos estádios de futebol. E ninguém organiza festas e congressos com mais pompa e brilho que nós. E quase ninguém paga tão bem aos seus administradores públicos como nós. (...)»

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