Sunday, May 25, 2008

Sr. Ferreira Fernandes, não lhe fica bem essa atitude tão anti-hip hop!

Texto no DN [LINK]

ELE NÃO USA CORRENTE DE OURO AO PEITO

Os grunhos desceram à cidade. E que grunhos: eles de correntes de ouro ao peito, elas explodindo bundas, batem as pestanas falsas e fazem beicinho grosso, eles passam em Lamborghinis amarelos ou Harleys cintilantes que têm em comum o berro de altifalantes, eles e elas dizendo baby a cada dois passos - os grunhos da infantilização bruta do hip hop. E que cidade: South Miami, o lado art déco da mais tropical das capitais americanas, das casas como se fossem todas elegantes cinemas dos anos 30, de cores pastel, palmeiras em néon e palmeiras de verdade.

South Miami do News Café, onde Gianni Versace foi beber o último cappuccino, antes de regressar a pé ao seu palácio e cair sob as balas de Andrew Cunanan, que procurava os seus 15 minutos de fama. Ainda há três dias, as esplanadas da avenida atlântica estavam cheias de turistas cosmopolitas, dos caríssimos hotéis Loews e Delano. Este fim-de-semana, os átrios desses hotéis foram invadidos por negras de cabeleira loura, com malas Gucci e ares de quem passa muito tempo nos passeios, e grandalhões de vestes uniformes - acompanhantes e guarda-costas da cultura bling e de cantores de nomes grosseiros, Rapaz Gordo, ou nomes artísticos mal escritos, Faboloso.


O hip hop invadiu South Miami, é o nono festival Black Beach Week, que trouxe, além de cantores com muitos discos de platina e ainda mais balas no corpo, a ganapada dos subúrbios de Atlanta e Washington. Nestes três dias, neste bairro habitualmente branco, os raros brancos levam o sorriso posto de quem pede desculpa. Os comerciantes fecham os bares, fartos dos anos anteriores de consumo não pago. Os invasores são agressivos, fortes da proximidade da mais bem paga actividade artística da América (os DJ e cantores de hip hop estão no top das receitas) e da cumplicidade com um submundo que propagandeia a droga. Estes grunhos pretendem ser os representantes da América negra e por serem a sua camada mais visível, podem indecentemente criar essa ilusão.


Entre os milhares invasores de South Miami ninguém pisca o olho a Barack Obama. Nem uma frase, nem uma camisola que diga que este encontro de cultura negro-americana está interessado na figura negra que está a mudar a história da América. E a indiferença é recíproca: esta semana, Obama dedicou-a à Florida, mas não pôs um pé no festival hip hop. Obama esteve entre os ricos do golfo de Tampa recolhendo dinheiro. Esteve entre os judeus de Boca Raton desfazendo equívocos ("julguem-me pelo que digo e faço e não por um nome esquisito"). E esteve entre os cubanos, no encontro anual da Cuban American National Foundation, tinha convidado um candidato democrata.

NOTAS: Que não goste de hip hop qualquer um entende. Os gostos musicais de cada um são actos de preferência numa sociedade de direitos iguais, tendo em conta a abertura ou não a novas sonoridades...
Se entende criticar o meio artístico do hip hop é livre de fazê-lo, mas a esse propósito se inclui algumas passagens racistas – «os átrios desses hotéis foram invadidos por negras de cabeleira loura, com malas Gucci e ares de quem passa muito tempo nos passeios (…)» –é oportuno dizer: p.f. contenha-se!

Se o Senhor não gosta de negras loiras, com malas gucci, paciência, elas certamente também não acharão o seu estilo nada atraente…

Depois essa linguagem mais própria de inspector policial, quando se refere a “ares de quem passa muito tempo nos passeios”, só denota uma mente masculina impregnada de conceitos antiquados, que ainda vê numa mulher mais ousada ou até espampanante nas suas vestes como alguém que se vende ou se deixa comprar por materiais atenções. Apraz-me perguntar: usaria essa semântica em relação a um homem?

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